Com ou sem emoção?
27.01.2017

Quem já foi para o nordeste e aproveitou para passear de buggy pelas dunas, com certeza já ouviu essa pergunta. E dúvida para quê? O lugar é um convite à diversão e diversão sem emoção não combina. Quando ouvi pela primeira vez de um bugueiro, não fiquei com medo da proposta mas sim do que significava aquele olhar emoldurado por um sorrisinho sarcástico, tipo: não imaginam o que vou aprontar com vocês. Como estava muito ocupada em tirar o cabelo da cara e da boca por causa do vento e ao mesmo tempo procurando alguma coisa para agarrar e me manter sentada naquele banco duro por causa dos solavancos, uma amiga que estava junto gritou com seu sotaque mineirinho – Não, moço. Cada um de nós tem dois filhos pequenos para criar, não podemos morrer não. E o motorista a medida que gritávamos ia aumentando a velocidade, ziguezagueando naquele mar de areia e agora rindo descaradamente da nossa cara. Tenho certeza que vi escorrer uma babinha de satisfação no canto da boca dele. A essas alturas com os olhos e boca arreganhada (igualzinho a máscara do filme Pânico) me sentia engasgada, não sei se era o cabelo, vento, areia ou alegria mesmo. Nesse exato momento de êxtase ouço aquela mesma voz, agora mais carregada de mineirice dizer: Vai moço, pode ir! Esquece os filhos, tem quem cuide. Os gritos e as risadas só aumentaram. Amo meus filhos mais que tudo nessa vida, mas naquela hora não pensei neles e muito menos na possibilidade de algo ruim acontecer num momento tão mágico.
Na verdade, temos uma certa prepotência de que podemos controlar o que, como e quando as coisas acontecerão. O que não é verdade. Não é simplesmente preferir a cor azul ou gostar de ir para a praia nas férias em vez de ir para a serra. Tem certas coisas que acontecem quando menos esperamos ou desejamos. Coisas que só Freud explica. E foi assim com o segundo infarto que tive, se não fosse trágico teria sido só cômico.
No último domingo de dezembro de 2013 e véspera de ano novo fazia muito calor em Porto Alegre, o que deixava a todos com uma certa letargia e a mim com dificuldade para respirar, um cansaço tão grande que me impedia de sair da cama e do quarto geladinho pelo ar-condicionado. Como tenho fama (injusta) de preguiçosa, meu marido nem desconfiou de nada. Fim da tarde resolvi medir a pressão arterial e assustada constatei que meus batimentos e pressão estavam bem baixos. Se já não estivesse assustada, ficaria assim que visse a cara do meu marido quando entrei na sala onde estava – Você está tão pálida! - então vamos correr porque não estou me sentindo nada bem, você vai dirigindo. Nossa! Nesta hora ele arregalou os olhos e percebeu que a coisa era séria. Faço questão de sempre estar no comando do carro (segundo ele no comando de tudo) porque gosto e confio muito pouco em outros motoristas. Como meu filho e nora haviam deixado o carro deles guardado em casa enquanto viajavam e era o que estava mais a mão, fomos com ele. Aí a coisa complicou, carro estranho, pressa, tensão, tudo junto e misturado, lá fomos nós aos trancos (bota tranco nisso) e barrancos. Eu dizia corre e meu marido pisava no acelerador ao mesmo tempo que freava bruscamente e eu desistia – não corre, vai devagar. Passava um pouco – Corre, estou piorando. Fechava os olhos e pensava o que será pior, morrer de infarto ou de acidente de carro? E ele me contou depois, que quando eu fechava os olhos e ficava quieta achava que eu tinha morrido. Como sempre sou eu quem dirige, o coitado não sabe direito qual é o melhor caminho, além de ser meio distraído o nervosismo também estava atrapalhando. Entre um solavanco e outro eu abria os olhos e dizia: vira aqui, vai reto, fica na pista da direita. E assim fomos até chegar ao Hospital.
Entramos na emergência e parecia que estávamos no lugar errado. Penumbra, silêncio, algumas pessoas sentadas e o atendente olhando hipnotizado para a tela do computador. Não me lembro ao certo o que se passou nos minutos seguintes, mas vi que era sério quando me levaram para dentro de uma sala enorme cheia de pacientes e me colocaram numa maca. Parecia aqueles seriados de emergências médicas. Tinha no mínimo seis jalecos brancos dançando a minha volta, uma porção de aparelhos se aproximando, cada um dizendo e perguntando alguma coisa. Uma enfermeira foi tirando minhas roupas, outra insistia em tirar minha aliança que teimava em não sair, outra me espetando procurando uma veia, outra colocando eletrodos que pareciam ser para um eletrocardiograma. Quando vi um homem bem próximo da minha cabeça falar em voz alta - preparar para colocar marca-passo (seria o Dr House?) - Não mesmo, não vou por marca-passo nenhum! Quero meu médico. E claro, esperneando e empurrando todos com as mãos e pés. Vexame total! Dr House (se não era ele, se parecia muito) falou aos gritos comigo – a senhora está com batimentos e pressão muito baixos, vai ter uma parada cardíaca a qualquer momento e vamos perdê-la. Não dá tempo de chamar seu médico. Os olhos dele bem arregalados me encaravam (de brabo) e eu com os olhos mais arregalados ainda, também o encarava (de pavor). – Vamos aplicar uma medicação se funcionar não colocamos agora o marca-passo. Mas se não der certo, vamos por sim, vai ser pela jugular. Jugular é no pescoço, né? Pescoço? Será que tem como fugir daqui? Fechei os olhos sentindo uma dor de cabeça horrível. Hum… será que parada cardíaca dói a cabeça? Por via das dúvidas mantive os olhos bem fechados até que ouvi alguém dizer – seu santo é forte, deu certo. No entanto, terá que passar a noite aqui para mais exames. Que alívio! Mas, por via das dúvidas mantive meus olhos bem fechadinhos, com vergonha do papelão que havia feito. Não sei se me deram alguma medicação para dormir, mas apaguei. Acordei com uma médica mexendo no meu braço e perguntando: está tudo bem? Pensei sem falar: como assim, não sou eu quem devo fazer esta pergunta? Mas respondi bem rapidinho, imaginando que minha resposta ajudaria a sair dali. Tudo ótimo! Estou pensando em lhe dar alta, continuou ela. Seus exames não acusaram nada sério, seus sinais estão melhores e estamos com a emergência lotada de casos graves. Enquanto isso minha cabeça a mil imaginava como faria para sair dali com uma camisola de hospital verde, aberta nas costas com tudo aparecendo, já que meu marido havia ido embora com todas as minhas roupas. Pulei essa parte. Poderia pegar um taxi. Sim, mas pagaria como? Minha bolsa também havia sido levada com documentos, dinheiro, cartões. Ora, isso poderia ser feito quando chegasse em casa. Mas, como entraria sem a chave? Ligar para meu marido estava fora de cogitação, àquela altura ele estaria dormindo pesado e meu celular é claro que também não estava comigo. Fui despertada dos meus devaneios repentinamente – a senhora não poderá ir porque o Dr House (ou outro qualquer) solicitou alguns exames que ainda não ficaram prontos. Ah, eu sabia que ele havia ficado de cara comigo. Fui transferida para outro leito em frente ao que estava de onde assisti cenas muito tristes, como a de um senhor morrer logo após ser instalado na mesma maca em que eu ocupava anteriormente. Fechei os olhos e dormi rezando. Agradecendo minha sorte e pedindo que o tempo passasse logo.
Sem saber que hora seria, fui despertada por uma equipe de enfermeiros que passavam leito por leito descrevendo “os casos” para a próxima equipe. Eu me sentia como uma folha de alface desbotada e meio murcha largada num lençol branco. Repassei tudo que havia vivido nas últimas horas e procurei me acalmar. Neste momento surgiu um médico que se apresentou como sendo o responsável pelo plantão – já tenho resultado dos seus exames e tenho duas notícias para lhe dar, uma boa e outra má. Eu, um poço de otimismo disparei – a boa primeiro por favor. A boa é que a senhora teve um pequeno infarto. - Ah? Fala sério! Não sabe brincar? Eu pedi a boa primeiro. Se essa é boa, qual é a má? - Que isso possa ser o prenúncio de um grande infarto, por isso ficará internada. Bom (tentando manter o otimismo), pelo menos irei para um quarto privativo que é mais confortável, posso usar meu celular, assistir TV e poderei passar a virada do ano com meu marido. Não teremos champanhe, mas brindaremos com água mesmo, beleza! - Não, a senhora vai para a UTI. Sabia que o House tupiniquim não ia deixar barato. E não sei porque veio na minha cabeça a pergunta do bugueiro com seu sorriso sarcástico – COM OU SEM EMOÇÃO?
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